A parte engraçada da história e do texto é que ele foi claramente escrito por quem vive trancado dentro de um carro e quer dizer como OS OUTROS devem se portar, sem nunca ter vivido este ambiente "do outro". Algo do tipo "faça o que eu digo..."
Mais uma vez a cultura rodoviarista dizendo como o ciclista deve se portar na cidade para agradar aos........ motoristas dos veículos motorizados.
Na verdade é uma verdadeira piada pronta. Uma graaaaaande piada!
E tão pronta, que outro colega, o Renato Maia (que já contribui para outros textos aqui no Blog, porque gosto muito do que ele pensa e faz) conseguiu - de forma muito bem humorada - devolver a piada, com comentários pertinentes sobre cada dica.
Aproveito e comento também um pouco:
> Em locais onde há ciclovias ou ciclo faixas, utilize-as e compartilhe com o pedestre, quando necessário;
Renato: Apesar de ser proibido, muitas ciclovias ou ciclofaixas, mesmo quando em boa conservação, vão em zig-zag e quase sempre posicionando o ciclista perigosamente nos cruzamentos. Na via com os demais veículos é bem mais fácil e tranquilo se posicionar defensivamente.
Eu: Sou "ativista" do compartilhamento, o espaço é público e - portanto - de todos. Acho perfeitamente viável então que se compartilhe a ciclovia com pedestres. No entanto quem escreve, de dentro de um carro não quer compartilhar a rua com ciclistas...
> Nas vias onde não houver ciclovia ou ciclo faixas, circule nas margens da pista, no sentido dos demais veículos;
Renato: A menos que essa tal "margem da pista" seja o meio das faixas mais externas, então não, obrigado: http://vadebike.org/2006/03/dicas-para-o-ciclista-urbano-4/
Eu: O próprio CTB (Código de Trânsito Brasileiro) prevê que o ciclista deve circular nos bordos da pista. Mas qualquer ciclista sabe que se ficar muito na "beirinha" é apenas para agradar aos motoristas, porque eles olham e pensam "ainda bem o ciclista está ali bem no cantinho sem me atrapalhar aqui na rua, que foi feita só para mim".
Ciclista NÃO DEVE ANDAR NA MARGEM DA PISTA, é extremamente perigoso! Deve ocupar uma parte da pista (1/3, leia o artigo indicado pelo Renato ali acima), de forma que o carro TENHA QUE DESVIAR para passar, não tirando fino!
> Respeite sempre a sinalização: semáforo, placas, faixa de pedestre;
Renato: É bem difícil/perigoso seguir incondicionalmente uma sinalização e cultura de trânsito que prioriza o mais forte e perigoso e onera e expõe o ciclista e pedestres.
Eu: Sem comentários. Apenas cito o artigo indicado abaixo da Transporte Ativo (O trânsito é uma ciência humana).
> Mantenha-se em fila única quando estiver em grupo;
Renato: Sei. De preferência na sarjeta para os carros lhe ultrapassarem de fininho (a menos de 1,5 m), né?
Eu: Acho que já falei sobre isso, não é?
> Quando você estiver desmontado da bicicleta, se iguale ao pedestre, em direitos e deveres;
Renato: Não se aplica. ;-)
Eu: Direitos e Deveres dos pedestres? Sério? Onde? Na cidade dos automóveis?
> Use capacete, joelheira e cotoveleira e equipe sua bicicleta com campainha, sinalização noturna dianteira, traseira, lateral e nos pedais, e espelho retrovisor do lado esquerdo;
Renato: Claro, claro. Se você é louco o suficiente para andar no meio dos carros que se proteja como um atleta de algum esporte radical, né mesmo?
Eu: Claro, claro. Se você é louco o suficiente para andar no meio dos carros que se proteja como um atleta de algum esporte radical, né mesmo?
> Utilize roupas claras, principalmente à noite; assim será visto com facilidade pelos demais condutores;
Renato: Novamente, a responsabilidade de não ser atropelado é do ciclista. Se possível pregue um letreiro luminoso nas suas costas dizendo: Ciclista Aqui! Não Me Mate!
Eu: Pois é, se um ciclista é atropelado a "culpa" é dele, seja "por não ter chamado atenção de estar ali", seja por "não estar no lugar dele, pois ali não é ciclovia".
Eu já escrevi artigos aqui e já dei entrevistas citando a importância de "ser visto" na rua. Continuo achando que isso é importante, mas por uma questão de "direção defensiva". No caso aqui, pelo conjunto da obra, dá para entender a pertinência do que o Renato disse.
> Crianças somente devem andar de bicicleta em praças, passeios ou outros locais protegidos de fluxo de veículos, sempre acompanhadas por adultos.
Renato: Isso é triste, simplesmente muito triste...
Sobre isso o Renato ainda me (nos) presenteou com uma tirinha (e traduziu):
Filho: Posso pedalar pra escola mãe? Posso?
Mãe: Não querido.
Mãe: Há muitos carros na rua. Não é seguro.
Filho : Poxa...
Yehuda: A maioria dos motoristas nessa hora do dia são pais levando seus filhos à escola.
Mãe: O que você quer dizer com isso?
Yehuda: Já disse.
Créditos:
Site: http://www.yehudamoon.com
Tira: http://www.yehudamoon.com/comics/2008-04-29.gif
Porque como disse minha amiga Michelle: "[...] vivemos numa cultura que acredita que o carro tem prioridade e - pior - isso tem raiz na hierarquização da sociedade e no preconceito social: quem tem carro tem dinheiro e poder, quem não tem não merece ser respeitado".
E mais uma citação, desta vez um trecho do meu artigo "Pequenas histórias da cidade...":
[...]
Eu estava numa noite de sexta-feira num bar na Rua das Laranjeiras esperando minha namorada.
O bar costuma ficar muito cheio, a ponto de as pessoas ocuparem toda calçada; pela quantidade de gente e o pouco espaço disponível.
Eu estava com minha bicicleta.
Na frente do bar ficam parados vários carros.
De repente um dos carros saiu e o espaço ocupado por ele ficou naturalmente livre. No entanto as pessoas viram aquele espaço livre e continuaram se apertando na calçada.
Incrível, ninguém "ousou" ocupar aquele espaço que é reservado para o deus automóvel.
Incrível, naquele espaço cabiam umas 2 mesas e 8 cadeiras, ou umas 10 pessoas ou mais conversando, expandindo o espaço da calçada.
Incrível, aquele espaço estava "reservado" para 1 pessoa ocupar com 1 carro. Ou seja, 1 pessoa que possuía carro tinha mais direito de ocupação daquele espaço público do que todas as outras 10 que estavam ali sem carro!
Eu naturalmente observei aquilo e ocupei o espaço.
Pus minha bicicleta na vaga, coloquei uma caixa de cerveja como se fosse uma mesa e sentei sobre outra.
O mais incrível é que após fazer isso o ambiente mudou! As pessoas começaram a ocupar o espaço e os carros que avistavam a "vaga" de longe, quando chegavam perto viam que o espaço já estava ocupado!
Então, para não deixar cair no esquecimento: o espaço é publico, de todos, não apenas de alguns!
[...]
Enfim, precisamos "virar nossa cabeça", pense, observe, repense, reflita, mude!
E finalizo com algumas referências, alguns textos complementares ao tema:
- Como o automóvel se tornou o principal instrumento de arrecadação do governo (e consequentemente alimenta a cultura do "não podemos viver sem o carro")
- O trânsito é uma ciência humana (ou como projetar a cidade para as pessoas, não para os carros)
- As ciclovias são boas para os....... carros!
Em tempo: Eu não vou dar o endereço do link do site do DETRAN para não dar "IBOPE" para eles, mas acreditem, os textos foram tirados de lá.
Até o próximo...
Robson,
ResponderExcluiradorei todas as histórias e aprendi mais um pouquinho por aqui. Pouquinho que pode significar tudo, minha vida. Vou explicar: outro dia eu vinha pela Marechal Cantuária, na Urca, seguindo pela sarjeta esculhambada (se vc circula pela Urca sabe que não há sarjeta pior na cidade, cada morundu!!), bem humilde, achando que estava fazendo meu papel direitinho, dando espaço pros veículos. Um ônibus passou por mim em velocidade incompatível com a via e por pouco não me mandou dessa para melhor. Agora já sei, é 1/3 da rua, não menos. Ele que me ultrapasse quando puder!
Célia