segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Mais um ciclista atropelado por carro no RJ, em um evento que promove as bicicletas!

O fim de semana prometia ser leve e de comemoração, porque recebemos a notícia de que o financiamento para o projeto Bike Anjo foi alcançado.

Mas acordei no sábado com uma notícia estarrecedora: um motorista jogou o carro em cima de um amigo (também voluntário do projeto Bike Anjo) na bicicletada da última sexta-feira (no rodapé deste artigo tem informações sobre a bicicletada).
Mas antes de continuar: o rapaz que foi atropelado (Rafael Pereira) sofreu apenas escoriações e está tudo bem!

Passei o fim de semana inteiro indignado, mal humorado, triste e estarrecido. E com uma vergonha absurda de ser brasileiro!
E tanto, que nem conseguia escrever sem estar contaminado pela indignação. Tive que digerir muito para este artigo sair.

Veja o vídeo e entenda um pouco mais do que se trata:


Em resumo: um motorista insistia em ficar pressionando o grupo, andando muito perto e acelerando insistentemente sobre ele, a fim de intimidá-los (não vejo outro motivo para ele ficar acelerando fortemente e tão perto dos ciclistas! Se não quisesse confusão era só parar e deixar o grupo ir embora!). Até que - depois de ver que suas ameaças não intimidavam ninguém - decidiu ser mais incisivo e jogou o carro sobre a bicicleta do amigo Rafael Pereira. O que se passa no vídeo é o registro do que aconteceu depois.

Para complementar: lembram-se que - no início deste ano - um motorista jogou o carro por cima de um grupo de ciclistas em Porto Alegre? Era uma bicicletada.
Para quem não se lembra ou não sabe veja o registro:


Achou absurdo? Saiba que este senhor responde ao processo em liberdade, voltou a ter uma vida "normal" e os artifícios dos advogados de defesa já chegaram até a tentar dizer que não era ele que dirigia o carro. Não duvido que acabe em pizza.
...
A bicicletada é um evento controverso, muita gente apóia, muitos criticam, muitos defendem que deve ser diferente etc.
Quando acontecem incidentes e acidentes como estes a bicicletada é discutida e entram as pessoas que dizem "querer ver o outro lado da coisa", chegando ao extremo de querer justificar o ato de quem joga o carro sobre uma bicicleta (ou um pedestre).

Vejam, eu não estava lá (embora já tenha ido a outras), entendo que a bicicletada tem coisas boas e ruins, muitos problemas, muita coisa a melhorar e muito a ser discutido, mas independente do que ela seja:
NADA JUSTIFICA JOGAR UM CARRO SOBRE UM CICLISTA!
NADA!
NADA!

E este é o ponto a ser discutido quando eventos como este acontecem: o caráter doloso de quem comete tal ato, não os porquês! A bicicletada deve ser discutiva à luz dela mesma, não à luz destes incidentes.

Na Europa como um todo, motorista que atropela ciclista está SEMPRE errado (mesmo que o causador do acidente tenha sido o ciclista).
Isso não acontece porque eles adoram bicicletas (eles adoram bicicletas, diga-se de passagem), é uma questão óbvia: o ciclista é irremediavelmente o lado mais frágil da história. Então, se um carro vê um ciclista, sai de perto, porque sabe que é encrenca!
É uma política que privilegia o mais frágil, e neste ponto ela é campeã!

- Veja o comentário do colega Cristiano Requião (publicado com a devida autorização dele):
"Recentemente estive na Europa e vi, com meus próprios olhos, alguns entreveros entre automóveis e bicicletas. Em todos os casos o culpado era a bicicleta...
Dois deles com direito a saltar do veículo e rolar de "fils de pute" para cima, dedo na cara, ameaça de vias de fato o esquimbau...
Em todos os casos, ao invés de buzinar, ameaçar atropelar etc., os motoristas  paravam o carro imediatamente, o tempo que fosse necessário até que as respectivas mães fossem lembradas a exaustão, com direito a sugestões de fetiches e tudo mais, e a bicicleta seguisse em frente ou saísse da via...
Se um motorista na França atropelar alguém ou esbarrar numa bicicleta é detido na hora e levado a prestar depoimento na presença de um juiz de plantão. E se não for preso, paga uma fiança que dá para comprar um contêiner de bicicletas... E fica sem dirigir um bom tempo..."


- Um amigo que vive na Austrália, numa pequena cidade chamada Pert, me contou que lá "os ciclistas são bem respeitados". Contou a história de uma brasileira(!) que atropelou um ciclista:
"Tem uma brasileira que se envolveu num acidente com um ciclista e ela não tinha seguro do carro. Soube que ela 'tá enrolada em dívidas até o pescoço por conta de hospital e tratamento. Portanto, se vier pra Austrália... muito cuidado com os ciclistas ao dirigir." 

Se não é pela educação, o mais frágil é protegido pela lei e pelo seu cumprimento!

Aí vem os "advogados do diabo": "Aqui não é Europa!", "Também, os ciclistas fecham a rua e tiram o direito de ir e vir das pessoas!".
Precisa comentar?

Bem, eu vou repetir e voltar a repetir:
NADA JUSTIFICA JOGAR UM CARRO SOBRE UM CICLISTA!
NADA!
NADA!

Eu fui criado com valores éticos muito bem definidos, que me orgulho e luto por eles até a morte:
- Respeito à vida sobre todas as coisas: eu sou pela vida sempre!
- Respeito ao próximo: "não fazer com o outro o que não quer que façam com você" é mais do que uma frase bonita, é um lema para mim.

Eu não sou radical e também não sou "vaquinha de presépio".
Luto com todas as minhas forças pelas coisas que acredito, mas sempre levo em consideração que posso estar errado, que posso mudar de opinião e que sobretudo, minha vontade não prevalece sobre a do meu semelhante. Pois vivemos em sociedade e o mundo não gira em torno da minha barriga.
Mas me provem que eu estou errado, por favor, não me venham com frases do tipo "gente radical não dá para discutir". Isso é sempre a última frase de uma pessoa que perdeu os argumentos...

Portanto, não estou "advogando em causa própria". Estou aqui chamando a atenção para o caminho que estamos tomando: a "lei do Gerson" e "lei do mais forte" precisam acabar!
Eu vou continuar fazendo a minha parte para isso acontecer!

Me perdoem o tamanho, mas sobre isso não dá para falar pouco.

Até o próximo...

Para se localizar: Entenda um pouco da bicicletada na página da bicicletada e na definição da wikipedia.
Veja também artigo do Rodrigo Primo, com links para outros relatos

10 comentários:

  1. Totalmente apoiado, Robson.
    Texto coerente com a realidade que deveriamos ter. Fico puto quando tentam justificar o atropelamento como culpa dos ciclistas que ocuparam a via. Ou seja, os motoristas podem travar todas as avenidas e ficarem mais de meia hora parado no mesmo lugar, muitas vezes impedindo até ciclistas de passar, mas a gente não pode fazer o mesmo com eles.

    Fora o lance que você repete de respeito à vida. Indiscutível...

    Valeu pela reflexão!

    Abs,

    JP

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  2. Olá Robson. Espero que tenha digerido melhor o que aconteceu. Não que caia no esquecimento...
    Lamento profundamente este ato do motorista. Infelizmente reflete os valores da nossa sociedade: egoísmo, individualismo, materialismo, etc. O motorista sai do carro e se preocupa com o estado do carro, antes de se preocupar com o Rafael. É de se lamentar.
    Discordo sobre o ciclista sempre ter a razão. O mesmo se aplicaria aos pedestres, certo? Estes por sua vez sempre teriam a razão sobre o ciclista, por questão de coerência. Já se imaginou pedalando em uma cidade onde o pedestre sempre tivesse a razão num aicdente com ciclistas? Será que seria possível de se pedalar na cidade?
    No CTB há a priorização: veículos maiores devem dar preferência a veículos menores, até que se chegam aos pedestres como os detentores da prioridade máxima. O mais fraco deve ser protegido pelos mais fortes. Mas é imprescindível que tenhamos regras e que estas devem ser respeitadas como: sinal vermelho, contra-mão, etc.
    Se a bicicletada age corretamente ao fechar a rua? É discutível. Mas atropelar alguém porque está com pressa, certamente está errado.
    É preciso que nossos valores e princípios sejam revistos. A vida é mais importante!
    Abraços.

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  3. Texto irretocável, assim como os comentários dos amigos JP e Vinicius!

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  4. Robson,

    Otima reflexão. Nada justifica a violência do carro contra a bicicleta. Considero que a bicicletada tem um papel pedagógico, ao mostrar para as pessoas o prazer de pedalar e ao mesmo tempo é uma atitude política que afirma que o CARRO não é o dono da cidade.
    A bicicletada serve para mostrar e defender que TODOS(pedestres, coletivos, bicicletas, skatistas, motos e automóveis) têm direito a uma mobilidade segura numa cidade mais humana.

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  5. Amigos JP, Vinícus, Raphael e Antônio,

    Obrigado pelos comentários.
    Se deixarmos para a nossa justiça "cega" - viciada na lei do mais forte, que sempre penaliza o mais fraco - certamente o caso será dado como encerrado, com uma tendência de fazer com que o ciclista fosse o provocador e causador do acidente.
    Nossa sociedade é regida pelo deus automóvel.
    Há inúmeras considerações e muito a se discutir, mas aqui quero apenas chamar a atenção para a importância de invertermos este paradigma: que a parte mais fraca seja SEMPRE a que tem prioridade.
    Se conseguirmos isso já será uma grande vitória.

    Eu vou continuar gritando!

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  6. Peço licença para corroborar a visão de Robson, mas adicionando um pouco mais de Direito a essa ideia de a parte mais fraca ter prioridade. Acho uma boa estratégia usar essa questão do mais fraco nos protestos, mobilizações, etc, comparando com outras áreas do direito, de forma a trazer força a essa afirmação.
    No direito do consumidor > há mais proteção ao consumidor, de forma que os contratos de operadoras de telefonia, por exemplo (contratos de adesão), por mais que estejam muito bem escritos, se trouxerem cláusula abusiva contra o consumidor, estas são consideradas nulas, mesmo que ele tenha lido e assinado. Afinal, ele precisa do serviço e não escreve uma linha do contrato.
    Direito do trabalho > o trabalhador é o elo mais fraco, de forma que a empresa tem a obrigação de cumprir as regras do direito do trabalho, e fiscalizar o cumprimento das mesmas pelo empregado.
    No direito penal econômico, empresas do sistema financeiro podem ser denunciadas pela parte prejudicada, caso o Ministério Público não o faça no prazo.
    Sei que parece chato, mas são argumentos que demonstram como o direito deve proteger o mais fraco. A diferença é que nos crimes de trânsito isso existe, (existe mesmo?) e não é obedecido. Então, deveria-se num acidente envolvendo ciclista e pedestre, o ciclista ter o ônus de provar sua inocência. E envolvendo motorista e ciclista, o motorista ter esse ônus. Não devemos falar juridiquês a sociedade, mas temos que usar argumentos legais, que é a estrutura de poder que manda nesse país.
    Força sempre!!!

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  7. Sobre fechar a rua, já pensei assim, quando estive uns anos sem andar de bicicleta. Mas até onde 200 bicicletas transitando no fluxo correto da via é fechar a rua? Acho que isso se resolve do modo mais simples. Se a rua só tem uma faixa, a bicicleta tem prioridade e pronto, conforme artigo 58 do CTB. Mas se há mais de uma faixa, como veículo mais lento, a bicicleta deve buscar a faixa da direita. Se temos 1000 bicicletas, que se faça uma fila na faixa da direita. Que se reduza quando um carro quiser pegar a faixa da direita para estacionar ou entrar em alguma rua à direita. Já me vi algumas vezes acelerando para dar espaço pro carro que está atrás de mim, ou diminuindo para um carro entrar na via, e tenho certeza que isso aos poucos muda a visão que o motorista tem do ciclista.

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  8. Olá Cezar,
    Eu sou filho e irmão de advogados, cresci num ambiente de compreensão de leis, direitos e deveres.
    E entendo que nossa vontade não suprime a lei. Aprendi que quem burla a lei é - aos olhos dela - contra a lei. Se queremos mudá-la devemos fazer com ações, não simplesmente dizendo que não concordo e não vou fazer.
    Por ter vivido neste ambiente é que compreendo que muito se manipula estes direitos do cidadão e na prática a parte forte é que ganha quase sempre.
    Você citou tribunais específicos, os cíveis não costumam seguir muito assim. Sobretudo porque vivemos num mundo que é regido pelo "deus automóvel", ele é soberano e é quem dita as regras. Quem não as cumpre está errado.
    Meu texto argumenta que apenas as leis não são suficientes, caso não mudemos nosso paradigma, pois leis são "interpretáveis".
    O motorista que atropelou o Rafael inventou uma desculpa na hora, colocando a "culpa" no carro - que é automático e ele não "teve como controlar". Quem já teve carro com câmbio automático sabe que ele está mentindo - eu já tive mais de um. Mas agora estamos nas "mãos da lei".

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  9. Realmente e triste isso mesmo, me vejo como exemplo tento ir para faculdade de bicicleta mas , o pessoal de carro não respeita nem um pouco jogam o carro em cima de vc com intenção mesmo de machucar , tipo como se vc ta de bicicleta ta errado,
    no outro dia tava com pressa de chega em casa, fui por um caminho mas curto, que normalmente não gosto de ir pq passam alguns caminhões por la , bom simplesmente fui jogado ao chão por um caminhoneiro, e o viado ainda me chingo.

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  10. Olá Anônimo,

    Quem pedala com frequência sempre passa por estes sufocos. É dose!
    Tem muito a ver com a educação dos motoristas - a maioria é mal educado mesmo.
    Mas por outro lado não podemos nos retrair e colocar o "rabo entre as pernas". Está provado que o aumento de ciclistas nas ruas aumenta a segurança deles, pois a visibilidade sobre eles aumenta. Com o tempo os motoristas se acostumam com eles lá.

    Não se pode negar que é preciso envolvimento de muitas partes: entre elas a sociedade civil e governantes. A esses cabe punir os infratores com rigidez, mas isso ainda vai demorar para a acontecer, porque nós ainda vivemos a herança do "jeitinho brasileiro", onde todos querem "levar vantagem em tudo, certo?".

    Enfim, não podemos esmorecer, temos que continuar fazendo nossa parte!

    Um grande abraço!

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