Este artigo foi escrito por sugestão de alguns amigos que gostavam da experiência. O mais enfático foi o Francisco, portanto o artigo é escrito em homenagem a ele.
Eu topei escrevê-lo porque creio que pode ser útil para quem tem vontade de trazer a bicicleta para o dia a dia, mas que por qualquer motivo, não pôs em prática... ainda.
É grande, espero que valha a leitura...
Antes de tudo, como era antes
Gostar de pedalar já era uma característica, eu morava em Niterói e me mudei para o Rio de Janeiro, onde tudo pedia um pedal: a cidade é linda e possui uma relativa estrutura para isso (na zona sul). No início minha esposa trabalhava nos fins de semana e eu aproveitava para pedalar durante quase todo tempo; era passeio, para conhecer tudo, pedalava por cada cantinho da cidade, conhecendo ruas e caminhos nunca imagináveis por quem vai a pé ou de carro.
Depois de um tempo já não pude mais pedalar nos fins de semana e diminuí muito o ritmo, mas a angústia crescia. Eu fazia tudo que podia para encaixar um pedal aqui, outro ali; tudo era motivo para ir de bike.
Mas não era suficiente.
Fiquei matutando uma forma de pedalar mais.
A decisão
2006.
Eu morava em Botafogo, trabalhava em Niterói e sabia que a distância não era problema, pois nos passeios dos fins de semana eu já havia ido até o Aeroporto Santos Dumont, que é bem próximo às Barcas (para quem não conhece a região, é preciso pegar uma Barca para atravessar a Baía de Guanabara, pois Niterói fica do outro lado da Baía).
E tempo: Niterói é ligada ao Rio de Janeiro pela ponte Ponte Rio-Niterói, não é permitido o trajeto de bicicletas lá, para ir a Niterói de bike tem que ser de Barca!
A ideia surgiu do nada, pela simples vontade de trazer a bike para meu dia a dia. Conversei com minha esposa - que concordou que poderia ser bom. O tempo estava tão escasso que não conseguia praticar atividade física, pedalar nem pensar!
Era então uma forma de unir - de verdade - o útil ao agradável, pois eu usaria um tempo morto (o trajeto para o trabalho, que era em média 1 hora e meia por trecho), para uma coisa que seria agradável e proveitosa.
Por incrível que pareça, o mais difícil da decisão era quebrar o paradigma: só havia referência de ir ao trabalho de ônibus ou de carro, pensar em ir de bike parecia coisa de doido (diga a verdade, você bem que deve achar isso também, não é?). Eu não conhecia ninguém que fazia isso. Inicialmente só pensava nas dificuldades...
Mas devo confessar que não consultei muita gente, apenas pensei em fazer, pesquisei e analisei a viabilidade; vendo que era plausível, apenas pensei em como poderia por a ideia em prática.
Sem muita estrutura, me organizei para fazer o teste numa segunda feira.
No domingo organizei tudo: preparei a bike (era uma caloi supra com pneus slick, bem adaptada para andar na cidade, com bagageiros para auxílio da carga; ela já se foi... roubada), separei a roupa, equipamentos de segurança e higiene, e me preparei para o dia seguinte.
O primeiro dia
Verão.
Acordei ansioso, só pensava no pedal, tomei banho, revisei tudo que já estava pronto no dia anterior e me arrumei.
Saí como se estivesse partindo para uma grande aventura, a adrenalina era grande.
Engraçado, eu saí para fazer a mesma coisa que fazia sempre: pedalar, mas a sensação de ir pedalar para o trabalho parecia diferente!
Parti sem uma rota definida, tinha apenas o roteiro base na cabeça. O trajeto até as Barcas correu sem susto ou sufoco, apenas cheguei suado, mas depois vi que o maior motivo era mesmo a ansiedade e adrenalina, não o percurso em si.
Nas barcas, muitas chatices: ter que pagar pela bicicleta, além da passagem; sem contar as dificuldades colocadas pela empresa para a travessia de bicicleta. É incrível, eles fazem de tudo que podem para dificultar: não podemos entrar com a bicicleta na área de passageiros, temos que ir pelo portão lateral, deixar a bike lá, voltar à área das roletas, passar pela roleta, esperar abrir os portões e só assim poder pegar novamente a bike, ufa!
Dá para ver que até os funcionários são treinados para tratar mal o ciclista. Terrível!
Essa foi a pior parte do trajeto, perde-se pelo menos 10 minutos só nesta confusão, raras eram as vezes que não perdia uma Barca só por causa desta dificuldade.
Olha tem MUITA coisa a se falar sobre este problema das bicicletas nas Barcas, mas vai ser assunto para um outro artigo.
Dentro da Barca muitos olhavam curiosos, e a travessia seguia agradável.
Ao chegar em Niterói, segui novamente por um trajeto não definido, cheguei ao trabalho com uma ótima sensação de desafio superado.
Esta sensação foi a melhor parte de tudo: quebrar um paradigma, superar um desafio e vencê-lo.
Passei o dia orgulhoso, contando a todos o que tinha feito, me sentia um herói!
...
A volta foi tranquila, sem a preocupação com o tempo e vestimentas. Fechei o dia com a sensação de ter superado um grande desafio.
Impagável!
O dia a dia
Com o tempo, tudo foi se tornando natural e pedalar para o trabalho passou a ser o padrão. Depois de um tempo precisei parar por motivos externos, mas voltei logo que pude.
Logo, chegar suado já não era um problema, pois a frequência e o consequente aumento de preparo físico, tornaram o pedal diário nada cansativo.
A experiência também vai aumentando e vamos correndo menos riscos, hoje eu já tenho algumas rotas padrão, para ida e para volta, de acordo com o horário e com o tempo.
Aprendi - por exemplo - que ganhar 5 ou 10 minutos em detrimento de segurança não compensa, vale sempre mais a pena fazer trajetos mais seguros, mesmo que isso represente andar um pouco mais. Por outro lado, pedalar mais significa mais prazer...
Outra coisa boa é a quantidade de pessoas legais que conhecemos pelo caminho: é muito comum ser abordado por pessoas admiradas com o fato de estarmos "fazendo uma coisa tão diferente". Em quase todos os dias surgia algum papo interessante com alguém na Barca, mostrando interesse em fazer a mesma coisa, ou admirando "a coragem".
Hoje o padrão é ir de bicicleta, a qualquer lugar! Na verdade, hoje só não vou de bike quando as circunstâncias não permitem (normalmente o fato de não estar sozinho). Para que isso fosse mesmo possível eu até adquiri uma bicicleta dobrável, com ela posso mesmo ir a qualquer lugar.
O que fica disso é a mudança de paradigma: antes parecia estranho ir de bicicleta ao trabalho, hoje me parece estranho não ir de bicicleta a qualquer lugar como primeira opção, porque há de fato poucos empecilhos para não ir.
A experiência foi enriquecedora para mostrar que no dia a dia a bicicleta é o melhor meio de transporte urbano. Muitas cidades do mundo já perceberam isso e trouxeram a bike para sua rotina, algumas ainda estão se organizando para isso e outras ainda hão de recebê-las. Eu sou uma das pessoas que está contribuindo para que isso se torne realidade. Se quiser pode se juntar a nós.
Os trajetos
Ida
Fiz e experimentei vários trajetos, utilizando a ciclovia, a faixa compartilhada, andando no trânsito etc. Com o tempo montei várias rotas.
Confesso que eu fazia alguns pequenos trechos em contra-mão, no início. Isso acontecia porque, além de pouca informação eu acreditava que não fazia mal a ninguém. Mas com o tempo aprendi que não devia fazer isso porque era ruim para todos (
depois vou fazer um artigo para discutir isso) e passei a mudar o trajeto; hoje todas as rotas são feitas sem NENHUMA contra-mão ou passagem por calçada pedalando.
As rotas possuem poucas variações entre si, o que passei a evitar sempre são trechos em vias expressas, onde passam ônibus, estes devem ser evitados.
Volta
O mais crítico na volta era a segurança, dependendo da hora do retorno, porque haviam trechos muito ermos, e passar de bike à noite não era muto seguro.
Eu fui experimentando várias opções, observando o movimento de cada e região e fui montando rotas seguras.
A vantagem do trajeto de volta é a não preocupação com o fato de precisar chegar suado ou com roupas específicas, portanto, no meu caso eu sempre voltava de bermudas e roupas mais confortáveis. A volta acabava sempre sendo mais um passeio agradável do que um trajeto rotineiro de volta do trabalho. Muito bom!
As lições
A maior de todas, sem dúvida foi a quebra do paradigma, que tanto repeti aqui. O que eu observo na maioria das pessoas que manifestam vontade de fazer o mesmo é o conjunto de dificuldades impostas para começar. E o que posso dizer em relação a isso é: basta começar, acorde um dia e diga: "hoje eu vou fazer isso"; é bem mais simples do que se pode imaginar. E olhe que isso aqui não é autoajuda!
Outra coisa relevante é a percepção da bicicleta como veículo no trânsito. Muitas pessoas dizem sentir medo, mas devo dizer que raríssimas foram as vezes em que me senti ameaçado, e posso dizer que em todas estas poucas vezes, o agente sempre era um motorista de ônibus. Com o tempo aprendi a ter uma boa conduta no trânsito, me garantindo segurança.
Hoje é fácil encontrar dicas na Web sobre pedalar no trânsito com segurança. Aqui darei algumas, mas há ótimos artigos nos sites do
Willian Cruz (Vá de bike), dos
Bike Anjos e da
Escola de Bicicleta. Não deixem de ver.
Para você que pensa em fazer o mesmo, algumas dicas:
Bem, as dicas são baseadas em meu aprendizado e nos estudos sobre o tema. Mas posto também dúvidas que muitas pessoas tem quando pensam em fazer o mesmo, por isso organizei-as em forma de perguntas, que eram as que eu ouvia no dia a dia. (
Em breve terei aqui no blog uma seção com dicas, elas estarão lá, junto com algumas outras).
- Nossa você tem coragem de passar pela ponte de bicicleta?
Essa eu já respondi no início do artigo: não é permitido o trajeto de bicicletas na ponte Rio-Niterói, o trajeto tem que ser feito de Barcas.
Vou repetir: o uso de bicicleta nas barcas é um tema tão sério que vai virar um artigo em breve. Aguardem!
- Você deve ser maluco, é muito perigoso!
Vejam, eu não sou maluco, nem suicida. Muito menos um idealista que vive fora da realidade. Sou uma pessoa comum, séria, que gosta de andar de bicicleta e só tomo decisão quando bem fundamentada, sou até chato com isso. Só que - por outro lado - não sou nada acomodado.
Tenho família, desejos, amores, qualidades e defeitos como qualquer um.
Eu nunca passei sufoco no trajeto, faço minha segurança passiva e ativamente. Posso dizer que sempre me senti respeitado (com exceção de alguns motoristas de ônibus, mas isto é tópico para outro artigo), mas sei que isso só ocorre porque minha atitude também é de respeito a todos.
Tem uns ótimos artigos sobre segurança no trânsito nos sites do
Willian Cruz (Vá de bike), dos
Bike Anjos e da
Escola de Bicicleta. Não deixem de ver!
- Mas você não chega suado? No seu trabalho tem vestiário?
Comecei a fazer o trajeto no verão e no início eu chegava bem suado; não tinha chuveiro ou vestiário onde eu trabalhava. Com o tempo fui me acostumando e já não chegava tão suado. Mas o que eu fazia: ia com uma camisa leve e fresca, preferencialmente de tecido Dry-Fit. Ao chegar, quando já estava perto, diminuía o ritmo, para ir secando o suor, ao chegar trocava a camisa, me secava com a toalha e completava a secagem com desodorante (fundamental, risos). Quando chegava no escritório, me dirigia ao banheiro e finalizava a higiene, lavando rosto e mãos.
Parece complicado, mas tudo fluia bem.
- Mas como você faz para levar sua camisa social sem amarrotar?
Veja, eu aprendi a fazer uma dobra que deixa a camisa muito pouco amarrotada, e eu a colocava de uma forma na mochila que não havia nada pressionando-a, assim, ao chegar, eu a vestia e em poucos minutos já estava melhor do que se estivesse amassada por estar sentado num banco de ônibus ou do carro.
- Nossa, mas é longe, demora muito!
Essa é a melhor parte: por incrível que pareça, eu levava menos tempo que de ônibus e quase o mesmo que de carro. No meu caso, o que mais demorava era estrutura das Barcas, eu chegava a perder 30 minutos em função de todas as suas dificuldades.
- Ok, mas então que você acha que é necessário mesmo usar num trajeto assim?
Roupas leves e confortáveis para o trajeto.
Óculos é fundamental, porque protege os olhos de algum objeto indesejável numa hora crítica.
Deve-se usar também os equipamentos obrigatórios na bicicleta (buzina, espelho retrovisor no lado esquerdo e luzes).
As luzes são muito importantes! Uma das coisas mais importantes em relação à nossa segurança no trânsito é
ser visto!
Use luzes
piscantes (para saberem que você está numa bike) na dianteira (branca) e na traseira (vermelha).
Esteja pronto para enfrentar uma chuva, se for na ida é um pouco pior porque você terá que organizar na chegada ao trabalho, mas se for na volta não há nada demais. O que é importante em relação à chuva é a proteção de coisas que não podem se molhar (documentos e eletrônicos), por isso, sempre tenha uma forma de impermeabilizar estes itens.
No mais, veja os artigos indicados aqui e na seção DICAS com informações sobre o pedal no trânsito e no dia a dia.
...
Foi longo, né? Mas espero que tenha valido a pena!
Bem, tudo isso que eu escrevi é para mostrar que pedalar no dia a dia - sobre tudo para o trabalho - é bem mais fácil do que se imagina e mais legal do que parece: é bom para a saúde, é um aproveitamento racional do tempo, é bem agradável, e ainda por cima contribuímos para melhorar nosso mundo.
Se você tem vontade mas está ainda na dúvida, ainda pode pedir a ajuda de um
Bike Anjo, eu sou um e posso ajudar se quiser.
Agora, se o artigo te animou e você já decidiu, seja bem vindo ao time! Só não esqueça de pegar todas as dicas necessárias antes de começar!
Até o próximo...